segunda-feira, 1 de março de 2010

Fortaleza: Domingo, 28 de fevereiro

Depois de dois dias tentando carona para sair de Mossoró, cheguei a Fortaleza.
No primeiro dia, fomos eu Thiago e Marco para a saída de Mossoró, sentido Canoa Quebrada.
Depois de umas boas 4h e a testa queimada de sol, voltamos eu e Thiago. Marco seguiu com um taxi até Canoa.
Carona é sorte, e tem as suas regras. Uma delas é, nunca tente carona em tres, ainda mais se forem tres homens.
A ordem de facilidade é:
2 mulheres
1 mulher
1 casal
1 homem
2 homens
depois já vai culminando para níveis absurdos de dificuldade.

No segundo dia, planejei ir cedo para o posto ipiranga, na saída da BR 304 de Mossoró.

Exibir mapa ampliado
Com 2 reais no bolso, nem poderia cogitar pegar ônibus. Sabe-se lá quando eu precisaria dessas escassas moedinhas.
No dia anterior haviamos tentado carona ali na saida do posto, com plaquinha, porém nao foi nada eficiente nossa tentativa.

Eu estava doido pra ir pra Canoa Qubrada, porém sem dinheiro no bolso para taxi. Tentei até o ultimo momento. Começou a escurecer. Já era. Carona de noite é furada. Não é impossível. Mas já estava vencido pelo cansaço também.

Nao havia quebra-molas, e os carros nao iriam parar por nada. Os caminhões já haviam arrancado, e também nao iriam freiar, a menos que fossemos tres loiras bundudas com uma minisaia.


Minha tática era então a aproximação corpo a corpo.

Perguntei a alguns caminhoneiros que estavam almoçando ao lado do caminhão:
- fala amigo, desculpa incomodar aí, mas vocês não estão indo no sentido Fortaleza não?
- gente tá indo sim, mas estamos esperando carregar o caminhão. gente saí só amanha de tarde.

Não, nada de esperar. Já havia aproveitado bastante Mossoró, e além do mais não podia ficar uma noite mais, e sacrificar uma noite a menos ou em Canoa Qubrada ou em Fortaleza.

Perguntei a alguns outros caminhoneiros e carros que paravam na bomba. Mas nada.
Definitivamente sair de Mossoró de carona é um pouco complicado.

Fiquei por 4h tentando. Umas 17h da tarde, já escurecendo, fui ao restaurante do posto, desconsolado.
Foda!
Sem dinheiro, perguntei se o café era cortesia.
"é sim menino"
Tomei um, dois, tres de uma vez.
Sentei na mesa, abri o mapa, analisei a distancia que ainda teria que viajar, praguejando o mundo internamente - estava rabugento nessa hora - e pedi mais um café.
Um senhor se aproximou:
"isso aí é cd pirata é?"
Sim, ele pensou que eu era vendedor de cd pirata, olhando pro meu mochilão e pra minha cara de estou-carregando-essa-mala-ha-20-dias.
- não, não amigo... só estou viajando por aí mesmo.
- ahhhh...
Se ele não virasse as costas tão rápido, iria convidá-lo para tomar um café cortesia comigo. Queria conversar.

Tomei mais um café, e sob alguns olhares curiosos, comecei a escrever uma nova placa: FORT. (nao cabia fortaleza no A4). E saí do restaurante para perto das bombas outra vez. Voltar para uma noite mais em Mossoró seria a aceitação do fracasso. E era noite de luau em Canoa Quebrada.

Levanto a placa uma vez mais para um caminhoneiro que estava de saida do restaurante:
- Fortaleza! Aracati?? Canoa???
- Ahnn... tô indo pra lá.
- FORTALEZA?? Sério???
- Bora fi...

Não acreditei, e sai correndo com a mochila de 20kg todo desengoçado pro caminhão.

O cara é muito doido. Caminhoneiro doidera mesmo.
Mal entrei no caminhão:
- TU TÁ ARMADO??
- não po, que isso.
- ENTÃO SIMBORA!
E partiu dando uns tapas na porta do caminhão.


Demorou até termos confiança um no outro. E muito embora eu tivesse afirmado que não estava armado, só depois de haver contado a minha história, dos lugares que havia passado, das pessoas que havia conhecido o clima melhorou um pouco.
Foi uma das caronas mais agradáveis, autoexplicativas da vida de caminhoneiro e nonsense de toda essa amalucada viagem.

O cara me contou táticas pra não dormir: "Cocaína, desobese e whisky se tiver com grana, conhaque se tiver duro, tiro e queda.".
"Em dia que eu rodo 12h eu me sinto mal, pra eu render, e ficar tranquilo, rodo 18h por dia. Já rodei 32h seguidas pra não perder o prazo da entrega."
De policiais de beira de estrada: "Policial honesto é uma merda! Bom é policial corrupto, que cobra uma propininha pra facilitar pra nóis".
Passamos de discussões acirradas sobre o sistema educacional e sobre putas que fumam crack, e pela dura e perigosa vida de caminhoneiro.
Passei a entender o caminhoneiro nessa viagem. Passar a vida na estrada, estar em casa por 10 ou até 5 dias só no mês. O Brasil é um país de dimensões continentais, a vida sobre rodas se torna necessária para a efetiva integração de cada rincão, do Oiapoque ao Chuí. E oportunistas surgem disso. E além dos acidentes (que inevitavelmente vão ocorrer, questão de probabilidade) assaltos, sequestros e assassinatos, são crimes frequentes na vida do caminhoneiro.
Transportar cargas de R$200.000, R$500.000, R$ 1 milhão ou mais por todo o Brasil, é algo bem arriscado. Mas riscos e estatísticas são irrelevantes e quando se tem que encher o prato da família em casa, faz-se o que deve ser feito, e esperar o abraço e o beijo da mulher e filhos na curta estadia em casa, a espera do próximo frete.

***

Passando na entrada de Aracati, de onde se deve tomar a van até Canoa Qubrada, analisando meus 2 reais no bolso. E que já estava de noite, desisti. Se eu não encontrasse um caixa eletrônico em Aracati, poderia nem conseguir ir para Canoa naquela noite.
Decidi ir até Fortaleza.

Chegando em Fortaleza o cara parou o caminhão, e tentou desenrolar com uma puta, eu havia lhe falado que nao toparia essa empreitada, e que caso a negociação se efetivasse, eu esperaria do lado de fora do caminhão. A puta não fez o preço que ele queria, não tive que esperar do lado de fora e seguimos até o Posto Menino Jesus III. Longe pra burro do centro de Fortaleza.
- moleque, voce tem como fazer alguma ligacao aí?
- nao cara, perdi meu cartao, meu celular ta sem bateria e mesmo se tivesse com, estou sem credito.
- beleza, fica com esse cartao aqui, ta cheiinho, 40 unidades. quando eu tiver por minas, voce me mostra um puteiro massa.

Agradeci a boa vontade. E fiquei na de mostrar o puteiro massa pra ele em Muriaé, tentei explicar que é bem complicado essa associação por lá, mas ele insistiu, e assim ficou acordado.

***

Cheguei no posto, que é uma parada de pernoite de caminhões, e fui recebido pelo segurança com o cacetete em punhos:
"pode sair! pode sair! que tu ta querendo??"
Mais uma vez, expliquei toda a história para ele, e que precisava de um orelhão para tentar localizar um amigo em Fortaleza.

Ele nao acreditou muito. Ainda pensou que estava ali para assaltar os caminhoneiros.
A área é bem perigosa. E é comum assalto e sequestros a caminhoneiros ali.

Tentei muitas vezes localizar o André e nada. O maluco não tem celular!
O Moura estava em São Paulo pro show do Coldplay, e foi quem ia me ajudando a localizar o André em Fortaleza. Me passava uns numeros provaveis, e ligava pro numero do orelhão do posto me informando de um provável paradeiro do André.

Nessa hora, o segurança já começou a acreditar (e ter um pouco de pena).
"mas menino, você não é muito doido, pra sair por aí, sem dinheiro, longe demais da sua casa? eu? eu nao faria isso nunca... tá dooido."
E me contou, que nunca tentou carona. Nunca. Que era uma coisa dele, e me contou que uma vez quando morava no Rio, no Parque Bela Vista, escutou sobre uma construtora que estava empregando no Leblon. Sozinho, com força e sem dinheiro, seguiu a pé em busca do trabalho. Cruzou praticamente todo o Rio, saiu as 5h da manhã, chegou lá as 16h da tarde.
Perguntou sobre o emprego. E era verdade (sim até então era só um boato). Conseguiu o emprego. Porém só começaria no dia seguinte. Olhou para os lados pra ver se conhecia alguem para pedir dinheiro emprestado, e nada. Teve que voltar a pé também. Para trabalhar no dia seguinte as 6h da manhã.
Estou contando essa história, porque no momento me marcou. Escutar alguém que antes me via como um assaltante, e depois teve a confiança para se abrir, e contar passagens da sua vida. E mais uma história de sobrevivência de tanta gente como a gente.

***

Consegui falar com o André:
- Maxu tu tá longe que só a porra! Aí é perigoso pra caralho... Tô sem carro, senao eu ia aí te buscar. Peraí que vou ver com algum amigo, e te ligo.

O segurança me recomendou nao ir pegar onibus nessa hora, já que teria que caminhar um pouco, e ficar numa área mais urbana, mais perigosa do que onde eu estava.
Solução, ou esperar algum amigo do André, ou dormir por ali, esperar amanhecer e seguir no busao. Com meus 2 reais.

Me disse que nao teria problema se eu dormisse por ali, mas teria que sair cedo, já que já tiveram problemas com gente que pernoitaram ali. Ele confiava em mim, mas os caminhoneiros que me vissem ali, provavelmente não. Então me acordaria as 5h da manhã para que eu seguisse rumo ao centro.

O André ligou:
"Maxu, meus amigos tao com medo de ir aí essa hora, dorme numa pousada aí perto, que amanha eu te dou o dinheiro..."
Ah poderia ir para uma pousada, mas nem, preferi ficar por ali, o papo estava bom.
Fui para a sala de TV, abri o saco de dormir, e fiquei por ali vendo Big Brother (a segunda vez que via, a outra vi em Ponte Nova na casa da Denise) até pegar no sono.

Um comentário:

  1. Cara, juro que tem hora que eu duvido que essas coisas são verdade. rs!Você é muito doido. Mas eu acho legal! Só não sigo o exemplo porque sou menina.Vou linkar seu blog no meu. As pessoas precisam ler isso. Sorte aí.Abraço,Tainá

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