quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Marte

Saí da casa do Emmanuel bem tarde, o que não é muio apropriado para quem vai tentar carona. Mas não foi intencional. Eu estava com reais e precisava trocar por pesos. Havia  feito uma péssima troca em Puerto Iguazú, pelo câmbio oficial, praticamente metade do câmbio blue, o cambio não oficial.

O Emmanuel tem um amigo, o Juan, que disse que me ajudaria no câmbio, fiquei esperando o Juan chegar. Quando ele chegou, almoçamos juntos, e ele começou a fazer uns contatos. Com algumas ligações, consegui um câmbio excelente!

Dei meus reais para o Juan e ele foi de moto trocá-los com uns amigos no centro da cidade.

Já com pesos em mãos, poderia seguir para Buenos Aires.

Eles me acompanharam até o ponto de ônibus e de lá segui para a saída de Paso de los Libres. Do ponto final do ônibus até a ruta 14 ainda tinha uma boa caminhada, uns 5 quilômetros. durante a caminhada fui pedindo carona - vai que cola - mesmo não sendo o melhor lugar, mesmo que os carros ali estivessem passando a mais de 100km/h, mesmo que não houvessem redutores de velocidade.

Alguns minutos depois um carro branco para, mas bem a frente. fiquei na dúvida se havia parado pra mim, por alguns segundos hesitei, mas logo segui correndo. O carro seguia imóvel, bem distante, quando de repente começou a voltar de ré.

Sim, havia parado pra mim.
Quando se aproximou, qual não foi a minha supresa: era Juan (outro Juan)! O senhor chefe da AFIP (órgão similar a receita federal, na Argentina)! O Juan havia me dado carona de Posadas para Libres no dia anterior. Nessedia ele havia dito que iria voltar para Posadas, buscar sua mãe, para o casamento de seu irmão em Córdoba. mas foi uma incrível coincidência encontrá-lo por ali. E novamente, me salvou.

Ele me propôs me deixar num posto de polícia itinerante há uns 10km no sentido de Posadas, que mesmo sendo oposto ao sentido de Buenos aires, haveria grandes chances de alguém me levar (a estrada era a mesma).

Nesse posto ele conversou com os policiais que concordaram em inclusive me ajudar, parando alguns caminhões brasileiros que parassem por ali. algo que a princípio não achei tao legal.

Explico:

Os caminhoneiros brasileiros não gostam de ser parados pela policia argentina. A maioria das transportadoras brasileiras pagam, digamos, uma propina para a gendarmeria (policia rodoviária argentina) para não serem parados, e certamente - obviamente - não iriam gostar de serem parados, quebrando o "acordo" ainda mais para levarem um caroneiro perdido pelas estradas argentinas.

Por sorte isso não foi necessário, pouco tempo depois, um caminhoneiro argentino parou, sem auxilio da policia, ele seguia para Paso de los Libres, mas disse que me deixaria num posto de gasolina, um pouco mais adiante, fora de sua rota, e que não seria um estorvo para ele esse pequeno ato de cordialidade.

Nesse pequeno trajeto mateamos juntos, e ele me disse, que caminhoneiros argentinos, gostam de dar carona, além de gostarem de companhia, gostam de alguém para servir o mate. Sim... Alguém para estar sempre pondo água no mate e trocando a erva.

Ótimo, já estava me vendo servindo mate até Buenos Aires.

Chegando no posto, havia um caminhão brasileiro, com as portas abertas. Me aproximei e me apresentei. Acho que não é muito comum para um brasileiro encontrar um outro brasileiro por aquelas bandas pedindo carona.

Depois da surpresa inicial ele me disse que estava indo para Rosario, que não era o mesmo caminho ate Buenos Aires mas que me deixaria em Cuatro Bocas, uma cidade um tantinho mais adiante.

Segui com ele contando histórias e ouvindo histórias. Não havia me dado conta da hora, e a verdade é que já estava anoitecendo. Nada legal.
Cheguei num posto em Cuatro Bocas, onde estavam fazendo consertos na estrada, então o cenário era: Marte. Poeira  e terra vermelha. E noite, e frio.



As chances seriam mínimas. Mas não desisti. Com polegar em riste tentei por alguns minutos (na verdade, quase uma hora). E nada. Muitos caminhões brasileiros passavam, e eu gritava:

-- Heeeeeey, brasileiro aqui!!! Indo pra Buenos Aires!!!

Nesse momento eu estava coberto de terra, e certamente nem eu pararia pra mim. (um dos princípios básicos da carona é a auto-análise: eu pararia para mim?)

Mas persisti nesse drama por mais um tempo.

Esgotado, desisti e já estava pensando num plano b, praguejando-me por não ter levado uma barraca nem saco de dormir. Eu nunca levo barraco nessa viagens, mas sempre nesses momentos me arrependo.

Não havia loja de conveniência no posto, e seria um grande perrengue encontrar lugar para dormir ali. Já estava me preparando psicologicamente para essa agradável noite em Marte.

Saí da estrada e caminhei para conversar com alguns caminhões que estavam parados ali. Encontrei um brasileiro:

-  Amigo estou indo para Buenos Aires.
- Sério!! Eu estou vindo de Foz do Iguaçu, preciso chegar hoje por lá!
- Mas infelizmente não posso te levar. Até te levaria mas estou com a família.

A esposa e o filho aparecem logo em seguida. Estavam se preparando para jantar, esquentando a comida e tomando mate (seguramente gaúchos).

- Mas tenho certeza que você vai conseguir, você parece ser um cara gente boa.

Bem, fiquei feliz com a parte do gente boa. e de alguma forma me motivou.

Assim que encerramos a conversa, escutei um caminhão dar a partida, e corri para falar com o motorista.

- Hola che! Que tal?? Dejame te decir, estoy venindo desde Brasil, hize todo el viaje a dedo, y ahora sigo para buenos aires, encotnrar com unos amigos y pasar un buen tiempo alla. por favor, no me podrias llevar un poco mas adelante??

A luz da boléia se acendeu e vi, Juan (outro Juan). Juan parecia ter saído de um filme mexicano dos anos 70. Falava um espanhol complicado mas o compreendi, meu espanhol já está de boa para espanhol complicados...

- Hey capo, no te puedo llevar. Mucha plata llevo en el camión. la carga es controlada. voy a Buenos Aires pues.

(Não me pareceu muito sensato dizer que a carga era cara...)

- Si si che, compreendo, pero mirá, me dijeron que hay una estación de servicios Petrobrás un poco más adelante, no me podrías llevar hasta ahí entonces, acá no hay lugar para yo dormir, y allá me dijeron que es mejor, hay baños, hay lo que comer. por favor...

- Bueno che, hasta la estación entonces!
Saindo de Marte

Perfeito! Consegui uma carona até o posto Petrobrás. Devagar e sempre.
O posto não ficava nem a 10km dali, mas já era algo.

No trajeto instantaneamente "agarramos buena onda". Expliquei a viagem, disse que estava captando histórias para um docmentário, que era de Minas Gerais, que estava num estágio em Assunção, que ficaria mais um tempo viajando. ele me contou um pouco da sua vida. e me pediu para servir mate. sim... Já estava preparado para o mate.

Chegando no posto, Juan me pergunta.

- Che?
- Que?
- Te enojarías si yo te llevo hasta Buenos Aires?

Não entendi muito bem a principio. Aí caiu a ficha.
O cara ia me levar até Buenos Aires!
O CARA IA ME LEVAR ATÉ BUENOS AIRES!

- Claroooo que no che... no sé ni como agradezcer che!!! Dale dale!!!

Juan era um personagem. E nessa hora fiquei muito puto com uma coisa.
Lembrei da oficina de documentário com Guilherme Castro que fiz em Foz do Iguaçu durante o Curta Iguassú, no qual ele diz que em um documentário, devemos aproveitar todos os momentos. Para não perder falas que podem se perder, porque não serão repetidas, e se o são, não saíram da mesma forma, autênticas.
E praguejei a Sony. Sim a Sony. Que faz câmeras onde só funcionam os terríveis Memory Sticks, que são cartões bizarros, onde não dá pra por os micro SD. E que sõ funcionam em câmeras Sony.
O meu cartão tinha estragado em Puerto Esperanza, cidadezinha de Misones, e eu não pude fazer mais gravações desde então. A memória interna da câmera é minuscula, e só cabe 40 fotos em tamanho de 2mp. SIM! 40 fotos em 2mp!!! A memoria enchia, passava as fotos pro PC, e tirava novas fotos. Nada de videos. nada de fotos em alta qualidade.

E eu estava diante de um cara que era um grande personagem.
Fomos todo o caminho conversando sobre tudo. O cara se interessava muito pelo Brasil, mas não conhecia muita coisa. Queria conhecer musicas, filmes, histórias, e eu fui lhe passando tudo que estava ao alcance do meu saber.

Eu tinha muitas musicas brasileiras no meu PC, e estava num momento bem Roberto Carlos. Sim. Roberto Carlos.

Roberto Carlos foi uma presença constante nessa viagem, desde a minha saída de Juiz de Fora.

E fomos ouvindo Roberto Carlos, e alto e bom som de Cuatro Bocas até Buenos Aires.

Debaixo dos caracóis dos seus cabelos.
Como dois e dois são cinco.
Como é grande o meu amor por você.

Roberto, seu maldito, essas suas músicas antigas são lindas.

Num momento crítico relacional meu, foi um bom suporte. E Juan, o caminhoneiro argentino com cara de mexicano de filme dos anos 70, foi um grande psicológo durante toda a viagem.

O brocardo de que os caroneiros são os melhores psicológos dos caminhoneiros se inverteu nessa viagem.

E feliz e ressignado cheguei a Puerto Madero, às 3h da manhã.
Ao som de Detalhes.

Un baile en Asunción

Voltei de uma viagem de 45 dias pelo Paraguai, Misiones, Corrientes, Buenos Aires, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo, bem auto-reflexiva.



Num momento em que nos sentimos um pouco perdido, nada melhor do que se perder fisicamente, de verdade. E decidi sair por aí.

Segui para um estágio no Tribunal de Revisão do Mercosul em Assunção e fugi de lá. Daí foram encontros e desencontros e estudos empíricos para um documentário ue vou começar a gravar por Minas Gerais esse mês.

E em busca de experiências para o documentário-projeto do ano que vem, que a princípio soa como uma viagem insana, e que dentro da sua impossiblidade na sua execução, na verdade reside somente uma improbabilidade. Eu gosto de lidar com coisas improváveis.

Esse foi o trajeto que percorri:



E vou voltar a atualizar esse blog que esteve parado por um bom tempo, mesmo eu não tendo parado de viajar desde a última atualização.

Ultimamente venho trabalhado nas ideias e referências para os documentários e acho que uma boa coisa pode ser voltar a escrever aqui, e postar coisas que venho escrevendo e não postando.

Nunca deixei de escrever. Não faço isso bem, mas gosto de fazê-lo.

Aos poucos publicarei textos e fotos aqui.
E novidades sobre a execução dos projetos supra citados.

Que os bons ventos nos levem.
(Em busca de uma forma não convencional - e mais libertária - de levar a vida)
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